Entrevista ping pong com o Grupo Zabriskie
Entrevista – Grupo Zabriskie
Título: Mais perto das humanidades
Com quase 20 anos de trabalho, o Grupo Zabriskie comemora a liberdade de fazer teatro “aqui e agora”, sem autocrítica, sem crise de identidade, assumindo a histórica dificuldade financeira como parte de uma trajetória amadurecida, marcada pela resistência e busca da qualidade técnica e estética. Destacado pela Funarte com o Prêmio Myriam Muniz de Teatro, a dupla Ana Cristina Evangelista (Ana Banana) e Alexandre Augusto (Juca Mole) comemora 10 anos da peça Luas e Luas, circulando pelo Brasil Central em turnê que prevê o diálogo com outros grupos para troca de experiências que fortaleçam o projeto de criação do eixo Centro-Oeste das Artes Cênicas. O Grupo Zabriskie apresenta o espetáculo Luas e Luas, em Goiânia, no dia 10 de abril (domingo), no Zabriskie Teatro.
Falar sobre Luas e Luas é como falar sobre o processo de evolução da linguagem desenvolvida pelo Grupo Zabriskie?
Ana Cristina Evangelista: Sim, de certa forma. Ao longo de uma década, o espetáculo veio adquirindo a técnica e a estética que o grupo adquiriu, à medida que se aprofundava na pesquisa de uma linguagem própria. Foi nosso envolvimento com o Teatro de Máscara que deu origem aos clowns Juca Mole e Ana Banana, protagonistas desse espetáculo. E hoje temos uma forma definida, uma identidade mais marcante e a evolução do Luas e Luas é um retrato disso. Esse prêmio concedido pela Funarte veio coroar todos esses anos de persistência, de fôlego. O Grupo Zabriskie tem quase 20 anos de trabalhos, ao longo dos quais primamos por busca constante de qualidade.
Nessa trajetória de quase 20 anos, o que ficou para trás e o que ainda está presente no trabalho do grupo?
Ana Cristina:Em termos estético e conceituais, percebemos claramente que a busca por identidade hoje está consolidada. Encontramos um caminho e temos como crescer, inovando, modificando, mas dentro desse caminho. O aprofundamento no Teatro de Máscara nos ajudou nisso e nos aproximou do Teatro Físico, o que deu mais qualidade para outros tipos de interpretação (neorealista, expressionista), presentes nos espetáculos para o público adulto. O que se manteve de lá pra cá foi o respeito pelo público e a necessidade de resgatar a relação humana na essência. A comunicação direta, corpo a corpo, que o teatro tem. Essa liberdade de falar sobre os assuntos que afligem o ser humano hoje.
Então esse jeito de fazer teatro vai sempre pedir a participação do público.
Ana Cristina: Nós tentamos fugir da interatividade, do diálogo do momento, mas a gente não dá conta. Quando a gente vê… está no meio do público, colocando o público dentro do espetáculo, propondo uma construção conjunta que se dá de maneira muito rica. Atualmente, o ser humano está muito envolvido com a comunicação intermediada e o Teatro é uma arte que ainda proporciona essa possibilidade de linha direta estabelecida entre pessoas, como um veículo capaz de transformar. Porque, de fato, a pessoa que entra em um teatro vai sair de lá modificada. O Teatro é uma ferramenta fundamental para a transformação do mundo pelas relações humanas. O teatro é uma maneira de mexer com o ser humano e trazê-lo para algo que é mais verdadeiro, porque estamos construindo juntos.
Os alunos do Zabriskie Teatro tem acesso a esses fundamentos?
Alexandre Augusto: Procuramos passar para nossos alunos aquilo que fazemos em nosso trabalho profissional. Todos os princípios e todas as bases do ponto de vista técnico e político. A gente divide com eles o nosso conhecimento.
E qual é o resultado observado no processo de formação desses atores e atrizes?
Alexandre: Uma das características fortes que percebemos em nossos alunos é a relação aproximada com a platéia. Também destacamos a forma de redimencionar o palco, sem ficar preso à Caixa Italiana.
Ana Cristina: Eu diria também que nosso aluno aprende a compartilhar mais, ele tem mais autonomia, mais segurança e, através das técnicas, aprende valores como ouvir mais o outro, se doar, aprende a humildade ao mesmo tempo a prontidão e ousadia, aprende um teatro que não é focado na superprodução de cenário e figurino. Estamos formando pessoas para a vida e não somente atores. Nossa visão é humanística e, através das técnicas que são passadas para eles, eles vêm um meio de se lançar ao mundo com desenvoltura, sabendo valorizar a relação humana mais verdadeira possível. Ao invés da superprodução temos diversão e exposição de opinião crítica. Como a criação é coletiva, eles apresentam o que pensam. Se seguirem a carreira, vão se formar dentro de uma linha de teatro que valoriza a pesquisa.
E que linha é essa do trabalho de formação?
Alexandre: Temos uma metodologia própria que mistura técnicas. O movimento da década de 60 nos influencia muito, a criação coletiva, que tem seu eco na direção colaborativa. O Teatro Físico é fundamental, não porque buscamos esmero na exibição de técnica ou virtuosismo físico, mas entendemos que o conhecimento do corpo é fundamental, enquanto ferramenta de comunicação. Por isso, nosso aluno tem noção de consciência corporal.
O que vocês costumam ouvir sobre o trabalho do Grupo Zabriskie?
Alexandre: É interessante. Muita gente que assiste a gente pela primeira vez acaba perguntando: “Vocês são daqui?” E quem já acompanha o nosso trabalho há mais tempo é sempre muito carinhoso. Parece que é da família.
Ana Cristina: No meio artístico, me parece que aquele distanciamento que achavam que o grupo tinha se amenizou. O que nos faz pensar assim são as inúmeras homenagens que recebemos nos últimos anos da Caravídeo, FETEG, Grupo Arte e Fogo, do Festival Goiânia em Cena e Festival do Corpo Ritual. Essas homenagens dos colegas nos deixaram muito contentes porque o nosso desejo sempre foi o de estar muito próximos dos nossos pares locais, mas o excesso de trabalho que todos têm quando não há recurso financeiro suficiente nos deixou muito reclusos. O que não quer dizer que o Zabriskie seja um grupo distante.
Falando agora da premiação da Funarte, de que forma esse recurso financeiro colabora para que o grupo avance em seus propósitos?
Ana Cristina: O projeto propõe a possibilidade de criar vínculos com grupos de outros estados do Centro Oeste e no Tocantins, fugindo do ciclo virtuoso do eixo Rio-São Paulo, que hoje engloba Minas Gerais e Bahia. Achamos que também precisamos de um eixo no Centro-Oeste, onde há identificação. Com a premiação, estamos indo até os grupos instalados em Cuiabá, Mato Grosso, Palmas e Brasília para tentar criar um elo, um vínculo com novos espaços, para que a gente possa retornar e também recebê-los aqui. As apresentações que vamos fazer nessas capitais, incluem um bate papo sobre o processo criativo do Zabriskie, buscando também conhecer o processo de criação de outros grupos, sua realidade, necessidades, como têm sobrevivido. O Grupo Zabriskie quer colaborar para o fortalecimento dessas relações para que possamos vislumbrar um novo eixo de escoamento da produção artística do Estado de Goiás.
Para onde o Grupo Zabriskie está indo?
Alexandre: Não tenho isso comigo de ficar pensando lá adiante. Penso muito no agora.
Ana Cristina: É bem isso! O Grupo Zabriskie está indo para o aqui e o agora. Estamos inteiros em tudo o que estamos fazendo. O Grupo Zabriskie reflete sobre o que temos de mais atual, mas de maneira muito livre. Os palhaços estão dando essa liberdade pra gente. E eu estou amando fazer teatro hoje, porque quando comecei era muito sofrido. Além das dificuldades financeiras ainda havia a necessidade de acertar. Autocrítica muito pesada e hoje estou me divertindo como uma criança e usando o teatro pra dizer muita coisa. Eu tenho muita coisa a dizer e sei que tem muita gente que gostaria de falar sobre os mesmos assuntos que eu. Então é como se eu os convidasse para a sala da minha casa para bater papo sobre a vida.
Por Larissa Mundim